terça-feira, 5 de outubro de 2010

Belo Monte é um erro, artigo de Cesar Sanson


O governo acaba de anunciar a concessão da licença ambiental para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. A decisão é um erro. Belo Monte, configura-se na análise do movimento social como um projeto economicamente, socialmente e ambientalmente devastador. Considerada a maior obra de infra-estrutura já realizada no país desde Itaipu e o terceiro maior empreendimento hidrelétrico do planeta, atrás apenas do projeto chinês de Três Gargantas e da própria Itaipu, o projeto impactará 11 municípios, nove territórios indígenas, desalojará milhares de pessoas e desmatará grandes áreas de floresta e secará parte do rio Xingu.

Belo Monte foi projetada pela primeira vez pelos militares em 1975 no âmbito dos grandes projetos de ocupação da Amazônia. Em 1989, o projeto foi retomado com o nome de usina Kararaô, mas foi abortado pela resistência dos povos indígenas. Há um episódio que marcou simbolicamente a suspensão do projeto. Durante um encontro realizado em Altamira (PA) entre os povos índígenas com a Eletronorte para discutir a barragem, a indígena kayapó Tuíra encostou a lâmina de um facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes – hoje presidente da Eletrobrás – em um gesto de advertência contra o então projeto do governo de inundar 1,7 milhão de hectares com a construção de cinco barragens no Xingu. A foto correu mundo e a pressão internacional fez com que o Banco Mundial desistisse do empréstimo.

Tudo é superlativo na obra. Belo Monte é um gigante na selva. Ninguém sabe ao certo o custo da obra. Orçada em R$ 20 bilhões pelo governo e R$ 30 bilhões por empresários, a previsão é que a construção da usina mobilize 100 mil pessoas, incluída os 18,7 mil trabalhadores empregados nas obras, 23 mil nas atividades que orbitam o empreendimento e um contingente de 55 mil pessoas em busca do “novo Eldorado”. Para os críticos, a conta está subestimada e avaliam que a obra mobilizará o dobro, 200 mil pessoas. Apenas a construção dos canais de desvio do rio, necessários para controlar a vazão do Xingu, vai revolver mais terra do que a obra do Canal do Panamá – serão escavadas toneladas de terras e rochas para formar dois canais com 12 quilômetros de cumprimento e 20 metros de profundidade.

A região da Volta Grande do Xingu ficará praticamente seca com a construção da usina. A exemplo do que aconteceu com a cachoeira de Sete Quedas na construção da usina de Itaipu, também Belo Monte destruirá ou modificará cem quilômetros de uma sucessão de cachoeiras, corredeiras, canais naturais, e, além do enorme, trágico, irresponsável e irreversível desastre ambiental, a população que ficará na região não terá água suficiente para suas necessidades.”, afirma Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu, sobre a construção da obra.

Belo Monte é realmente necessária? O governo diz que sim, o movimento social contesta. Na avaliação dos movimentos contrários a obra, a mesma gerará pouca energia e produzirá muitos danos. Segundo especialistas a grande oscilação entre cheias e secas do rio Xingu vai transformar a hidrelétrica de Belo Monte numa imensa usina “vaga-lume”. Análises ainda dão conta que a hidrelétrica foi concebida para atender os grandes consumidores de energia.

O governo, por sua vez, afirma que a hidrelétrica é fundamental para garantir a oferta de energia para a expansão da economia brasileira. O último apagão acabou reforçando ainda mais a tese do governo, ou seja, Belo Monte é necessária para suprir a voracidade de uma sociedade produtivista e consumista que demanda muita energia.

Belo Monte, pensada sob a perspectiva da lógica imediata e pragmática encontra argumentos justificáveis e favoráveis; pensada, entretanto, a partir do princípio da ecologia da ação toda ação implica em efeitos nem sempre controláveis e que mesmo uma ação realizada com o melhor dos propósitos, pode fugir ao controle e se voltar contra o objetivo inicial se torna questionável, ou seja, Belo Monte desejável nesse momento pode ser lamentada mais tarde.

Cesar Sanson é Pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores e doutor em sociologia pela UFPR.

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