O estaleiro havia sido contratado para construir um navio por uma empresa de navegação que fez empréstimo junto ao BNDES. Entretanto, após receber os recursos, o estaleiro os utilizou na montagem de outra embarcação, de propriedade de outra empresa.
Denunciado com base no artigo 20 do Código Penal, o diretor do estaleiro pediu o trancamento da ação penal, alegando que somente a empresa de navegação é sujeito ativo do crime, não o diretor presidente do estaleiro, que apenas recebeu o repasse dos recursos financeiros.
O relator, ministro Og Fernandes, entendeu que o delito caracterizado no Código Penal descreve conduta típica que pode ser cometida por qualquer pessoa, tratando-se, pois, de crime comum, e não de crime próprio. “Não há especificidade quanto à qualidade do sujeito ativo – que pode ser o tomador ou qualquer outra pessoa a quem seja disponibilizada a verba”, observou o ministro.
Quanto ao trancamento da ação penal, o ministro Og Fernandes afirmou que a denúncia expõe com clareza que o estaleiro desviou a verba repassada pela empresa de navegação. Ele ressaltou que o trancamento só é cabível quando a ausência de indícios que fundamentam a acusação não exija exame aprofundado do conjunto fático-probatório.
O ministro destacou ainda que, “conquanto o paciente [diretor] não tenha contraído diretamente o financiamento público, o fato é que a denúncia revela que a sua utilização se deu com destino diverso daquele contratualmente pactuado”.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
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RELATOR : JUIZ FEDERAL CONVOCADO GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA/NO AFAST. RELATOR
IMPETRANTE : MARCOS A. S. ARAGÃO
IMPETRADO : JUÍZO DA 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE : GUIDO CROCCHI
ADVOGADO : MARCOS ANTÔNIO DA SILVA ARAGÃO
ORIGEM : QUINTA VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO (9700609030)
R E L A T Ó R I O
1. Trata-se de habeas corpus impetrado por MARCOS ANTONIO DA SILVA ARAGÃO em favor de GUIDO CROCCHI, objetivando seja o Paciente excluído da ação penal tombada sob o n° 97.0060903-0 no Juízo da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, na qual foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 20 da Lei n° 7.492/86. Alega que o delito objeto da denúncia é crime próprio do tomador de recursos e que o Paciente é Diretor-Presidente da empresa Indústria Reunidas Caneco S/A (Estaleiro Caneco) com a qual a empresa Navegação Mansur S/A firmou contrato para construção de determinada embarcação com recursos tomados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, sendo os dirigentes da Navegação Mansur S/A, portanto, os supostos sujeitos ativos do delito. Conclui que a ausência de circunstância elementar integrante do tipo a ensejar comunicação entre sujeito ativo do crime próprio e o Paciente, configura falta de justa causa para a ação penal a que o paciente responde. Juntou os documentos de fls. 13/74.
2. Regularmente notificado, o Juízo da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro prestou as informações de fls. 89/91, com juntada de documentos (fls. 92/184).
3. Parecer do Ministério Público Federal (fls. 197/202), pela denegação da ordem.
É o relatório.
Rio de Janeiro, 28 de março de 2008.
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Juiz Federal Convocado na 1ª Turma do TRF - 2a Região
V O T O
1. Trata-se de habeas corpus impetrado por MARCOS ANTONIO SILVA ARAGÃO em favor de GUIDO CROCCHI, objetivando seja o Paciente excluído da ação penal tombada sob o n° 97.0060903-0 no Juízo da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, na qual foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 20 da Lei n° 7.492/86. Alega que o delito objeto da denúncia é crime próprio do tomador de recursos e que o Paciente é Diretor-Presidente da empresa Indústria Reunidas Caneco S/A (Estaleiro Caneco) com a qual a empresa Navegação Mansur S/A firmou contrato para construção de determinada embarcação com recursos tomados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Socia, sendo os dirigentes da Navegação Mansur S/A, portanto, os supostos sujeitos ativos do delito. Conclui que a ausência de circunstância elementar integrante do tipo a ensejar comunicação entre sujeito ativo do crime próprio e o Paciente, configura falta de justa causa para a ação penal a que o paciente responde .
2. Na parte que interessa para o julgamento do presente feito, é imperioso destacar os seguintes trechos da denúncia:
ROBERTO BEZERRA DONATO, [...]
JORGE DUFFLES ANDRADE DONATO, [...]
GUIDO CROCCHI, [...]
Consta dos autos do IPL em epígrafe que, no ano de 1995, entre os meses de maio a julho, os Denunciados, o primeiro na qualidade de Diretor-Presidente, o segundo na condição de Diretor-Técnico e o terceiro na condição de Diretor industrial da empresa INDÚSTRIAS REUNIDAS CANECO S/A (ESTALEIRO CANECO), determinaram que esse estaleiro, por eles dirigido, e contratado pela EMPRESA DE NAVEGAÇÃO MANSUR S/A para construir o navio de casco identificado pelo número EC-337, com recursos repassados pelo BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL - BNDES, empresa pública federal atuando na qualidade de agente financeiro do FUNDO DE MARINHA MERCANTE - FMM, após receber os recursos destinados par essa finalidade, utilizasse, como de fato utilizou, a maior parte dos blocos de aço do casco EC-337 e comprados com os referidos recursos, na montagem de outro navio, de casco número EC-338, de propriedade de outra empresa (CIA. DE NAVEGAÇÃO NORSUL S/A), caracterizando, assim, a aplicação em finalidade diversa do contrato, dos recursos repassados pela instituição financeira oficial BNDES, bem como a apropriação indébita dos blocos de casco pertencentes à EMPRESA DE NAVEGAÇÃO MANSUR S/A.
As investigações foram requisitadas pelo MPF, provocado pela notícia-crime apresentada pelo BNDES, às fls. 05/106.
Restou apurado que as INDÚSTRIAS REUNIDAS CANECO S/A, na condição de Construtores, foram contratadas pela NAVEGAÇÃO MANSUR S/A, na qualidade de Armador, para construir um navio do tipo graneleiro identificado pelo código EC-337, especificado no contrato de fls. 37/55, sendo naquele ato, representado já pelo Denunciado ROBERTO BEZERRA DONATO, tudo segundo as normas que regulam o Fundo da Marinha Mercante-FMM (uma vez que os recursos indispensáveis à construção do navio em questão seriam provenientes exclusivamente desse fundo federal, gerido pelo BNDES, como consta da cláusula primeira do contrato que esta empresa pública federal assinou com o Armador supracitado, às fls. 13/24).
3. O impetrante sustenta a ausência de justa causa para a ação penal instaurada contra o paciente, Diretor industrial da empresa Indústrias Reunidas Caneco S/A (Estaleiro Caneco), porquanto baseada em denúncia por suposto cometimento de crime próprio - art. 20 da Lei n° 7.492/86; sendo que o paciente não integrava a empresa armadora Navegação Mansur S/A, tomadora dos recursos para construção da embarcação.
4. Primeiramente, é posição desta Corte que o trancamento da ação, normalmente, é inviável em sede de writ, pois dependente do exame da matéria fática e probatória. A alegação de ausência de justa causa para o prosseguimento do feito deve ser reconhecida quando, sem a necessidade de exame aprofundado e valorativo dos fatos, indícios e provas, restar inequivocadamente demonstrada, pela impetração, a atipicidade flagrante do fato.
5. Quanto à caracterização do delito, o art. 20 da Lei n° 7.492/86 dispõe que é crime:
Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
6. Ao contrário do alegado, o delito tipificado no artigo 20 da Lei n° 7.492/86 não cuida de crime próprio, mas descreve conduta típica que pode ser cometida por qualquer pessoa, tratando-se, pois de crime comum. O delito tipificado no artigo 17 do mesmo diploma legal, sim, é próprio; valendo-se, o impetrante, equivocadamente, deste comando normativo em sua petição inicial para fundamentar suas alegações.
Nesse sentido dispõe o douto Parquet neste Tribunal:
Curiosamente, ao delinear seu painel argumentativo, o impetrante lança mão de esteira de raciocínio e precedentes jurisprudenciais referentes ao crime previsto no artigo 17 da Lei n° 7.492/86, a fim de conduzir este e. órgão julgador ao entendimento de que seria próprio o delito pelo qual responde o paciente.
7. Não é correto afirmar que somente o tomador dos recursos junto à instituição financeira oficial pode ser sujeito ativo do crime previsto no art. 20 da Lei n° 7.492/86, conforme alegado pelo Impetrante. Os administradores de pessoa jurídica beneficiária do financiamento, ainda que diversa da tomadora dos recursos, poderão incorrer na penas cominadas no referido artigo, caso apliquem a verba em finalidade diversa da prevista no contrato.
8. Conforme consta na peça acusatória (fls. 13/22), o Estaleiro Caneco, na condição de construtora, foi contratado pela empresa de navegação Mansur S/A, na qualidade de armador, para construir um navio do tipo graneleiro identificado pelo código EC-337, cujos recursos foram repassados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES àquela empresa de navegação.
Constava do contrato de construção (fls. 55/72 - item 6.1 não disponibilizado nos autos) que os componentes da embarcação seriam identificados com símbolos ou marcas, obrigando-se o construtor, como fiel depositário, a zelar pela sua guarda, conservação e manutenção de acordo com as recomendações dos fabricantes, bem como pela aplicação adequada dos mesmos na EMBARCAÇÃO a que estão vinculados.
9. Em auditagem da execução da construção do navio EC-337, a empresa ABS MARINE SERVICES constatou que o aço recebido (8400 t) foi utilizado parcialmente na construção dos blocos do casco EC-337 e estavam sendo utilizados na construção do casco EC-338, de propriedade de outra empresa (Cia de Navegação NORSUL).
10. O valor concedido pela instituição financeira oficial foi aplicado em atividade diversa daquela estabelecida no contrato. Nada impede que responda, como partícipe, o Diretor Industrial do Estaleiro Caneco - ora paciente, quando, ciente da destinação ilícita dos componentes da embarcação (dolo) ou ainda, quando não observados os cuidados necessários à destinação dos mesmos, com a ciência de que, em conseqüência desta inobservância, os mesmos poderiam ser desviados (dolo eventual).
11. Assim, há de se considerar a necessidade do exame da presença do elemento subjetivo do tipo imputado ao agente, que consiste na vontade de aplicar recursos advindos do financiamento em finalidade que o agente sabe ser diversa daquela para qual o financiamento foi solicitado:
EMENTA - Habeas corpus
1. A alegação de inépcia da denúncia pelos três vícios apontados na impetração não pode ser conhecida, porque não foi submetida ao STJ no “writ” cujo acórdão é atacado.
2. Improcedência da alegação de que o ora paciente não pode ser sujeito ativo do crime previsto no art. 20 da Lei 7.492/86. (Com efeito, no tocante à ilegitimidade do ora paciente para a prática do crime que lhe é imputado, é essa alegação improcedente. Tem razão Manoel Pedro Pimentel, citado no parecer dA P.G.R., ao dizer que o sujeito desse delito será qualquer pessoa imputável que pratique a ação prevista no mencionado dispositivo legal.
3. Alegação de falta de justa causa que, por demandar exame de prova aprofundado, não pode ser feito nos limites estreitos do habeas corpus.
(STF - HC 79.468- 8 - Relator Ministro Moreira Alves - DJ 29/10/1999)
12. Por não se constatar, no caso concreto, ausência de justa causa por manifesta atipicidade da conduta e diante da necessidade de discussões acerca da existência de dolo, matéria que demanda dilação probatória, inadequada em sede de habeas corpus, não se justifica a concessão da ordem vindicada.
Assim, DENEGO A ORDEM de habeas corpus, por considerar que inexiste falta de justa causa para a ação penal. Comunique-se, com urgência, ao MM. Juiz da 5ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
É como voto.
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Juiz Federal Convocado na 1ª Turma do TRF - 2ª Região
EMENTA
DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 20 DA LEI N° 7.492/86. CRIME COMUM. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. SUJEITO ATIVO. DOLO. EXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE DE HABEAS CORPUS. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL.
1. Trata-se de habeas corpus objetivando seja o Paciente excluído da ação penal tombada sob o n° 97.0060903-0 no Juízo da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, na qual foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 20 da Lei n° 7.492/86. Alega que o delito objeto da denúncia é crime próprio do tomador de recursos e que o Paciente é Diretor-Presidente da empresa com a qual a empresa tomadora de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - Navegação Mansur -, firmou contrato para construção de determinada embarcação com os recursos tomados; sendo os dirigentes desta, portanto, os supostos sujeitos ativos do delito. Conclui que, a ausência de circunstância elementar integrante do tipo a ensejar comunicação entre sujeito ativo do crime próprio e o Paciente, configura falta de justa causa para a ação penal a que o paciente responde.
2. O impetrante sustenta a ausência de justa causa para a ação penal instaurada contra o paciente, porquanto baseada em denúncia por suposto cometimento de crime próprio - art. 20 da Lei n° 7.492/86; sendo que o paciente não integrava a empresa tomadora dos recursos para construção da embarcação.
3. Primeiramente, é posição desta Corte que o trancamento da ação, normalmente, é inviável em sede de writ, pois dependente do exame da matéria fática e probatória. A alegação de ausência de justa causa para o prosseguimento do feito deve ser reconhecida quando, sem a necessidade de exame aprofundado e valorativo dos fatos, indícios e provas, restar inequivocadamente demonstrada, pela impetração, a atipicidade flagrante do fato.
4. Ao contrário do alegado, o delito tipificado no artigo 20 da Lei n° 7.492/86 não cuida de crime próprio, mas descreve conduta típica que pode ser cometida por qualquer pessoa, tratando-se, pois de crime comum.
5. Não é correto afirmar que somente o tomador dos recursos junto à instituição financeira oficial pode ser sujeito ativo do crime previsto no art. 20 da Lei n° 7.492/86, conforme alegado pelo Impetrante. Os administradores de pessoa jurídica beneficiária do financiamento, ainda que diversa da tomadora dos recursos, poderão incorrer na penas cominadas no referido artigo, caso apliquem a verba em finalidade diversa da prevista no contrato
6. O valor concedido pela instituição financeira oficial foi aplicado em atividade diversa daquela estabelecida no contrato. Nada impede que responda, como partícipe, o Diretor Industrial do Estaleiro Caneco - ora paciente, quando, ciente da destinação ilícita dos componentes da embarcação (dolo) ou ainda, quando não observados os cuidados necessários à destinação dos mesmos, com a ciência de que, em conseqüência desta inobservância, os mesmos poderiam ser desviados (dolo eventual).
7. Por não se constatar, no caso concreto, ausência de justa causa por manifesta atipicidade da conduta e diante da necessidade de discussões acerca da existência de dolo, matéria que demanda dilação probatória, inadequada em sede de habeas corpus, não se justifica a concessão da ordem vindicada.
8. Habeas corpus denegado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, denegar o habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Rio de Janeiro, 02 de abril de 2008 (data do julgamento).
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Juiz Federal Convocado na 1ª Turma do TRF-2ª Região
Um comentário:
Se este site tiver algum compromisso com a verdade, publique que através do ACÓRDÃO emitido pela 1a Seção Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a Região, GUIDO CROCCHI e outros dois diretores de Indústrias Reunidas Caneco S.A. foram absolvidos em 10/08/2014 por absoluta ausência de dolo, sendo que a maioria (4 x 1) dos desembargadores da dita Seção Especializada julgaram que o processo deveria estar na esfera cível e não na criminal.
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