Queda do presidente da comissão do Congresso que elabora o projeto orçamentário reacende o debate sobre o uso de emendas parlamentares para desviar dinheiro.
Brasília - “Anões do orçamento”, máfia dos “sanguessugas” e farra na liberação de recursos públicos para empresas de fachada – caso que derrubou na semana passada o relator da Lei Orçamentária de 2011, o senador Gim Argello (PTB-DF). Todos esses escândalos com dinheiro federal no Congresso Nacional têm ocorrido com os mesmos instrumentos, as emendas parlamentares, e no mesmo ambiente, a Comissão Mista de Orçamento (CMO). A reincidência dos casos levou o PSDB a pedir o fim da CMO. Do outro lado, defensores do órgão alertam: o problema não está no formato, mas na conduta de alguns parlamentares.
O papel da comissão voltou à discussão após as denúncias contra Argello. No último domingo, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que ele destinou R$ 1,4 milhão a institutos fantasmas por meio de emendas individuais ao orçamento. A verba, que deveria ser aplicada em eventos culturais e de divulgação do turismo, foi repassada sem licitação para uma empresa cujos donos são um jardineiro e um mecânico.
O ex-relator do orçamento, porém, não é o único a indicar a aplicação de recursos para a mesma finalidade. De acordo com levantamento da ONG Contas Abertas, houve 577 emendas individuais ao orçamento de 2010 para promoção de eventos de divulgação do turismo. Originalmente, a previsão inicial de gastos para a área era de R$ 32,6 bilhões, mas subiu para R$ 798,8 milhões, graças às sugestões dos congressistas. Na quinta-feira, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que o governo passará a fazer uma “restrição total” a essas emendas.
Filme repetido
As suspeitas que pairam sobre a comissão remetem a 1993, quando veio à tona o escândalo dos “anões do orçamento”. O esquema tinha dois focos. O primeiro era a indicação de emendas para entidades filantrópicas ligadas a parentes ou laranjas. O outro era o acerto com empreiteiras beneficiadas pela inclusão no orçamento de grandes obras. A cada negócio, os parlamentares recebiam propinas. As manobras ocorriam desde a promulgação da Constituição, em 1988. O texto constitucional permitiu ao Congresso alterar o orçamento proposto pelo Poder Executivo, o que antes não era autorizado.
Outro escândalo envolvendo a Comissão do Orçamento ocorreu em 2006, quando a Polícia Federal realizou a Operação Sanguessuga para combater fraudes na compra de ambulâncias com dinheiro federal. O esquema começava com a indicação de emendas parlamentares para a saúde e acabava com licitações fraudulentas para a compra superfaturada de equipamentos, principalmente por prefeituras. O dinheiro a mais era dividido entre os participantes do esquema.
Mudanças
A semelhança entre os três episódios não é mera coincidência para o senador Alvaro Dias (PSDB-PR). Com o apoio do partido, ele se comprometeu a apresentar um projeto de resolução em 2011 para extinguir a CMO. A ideia é que a lei orçamentária passe a tramitar nas demais comissões permanentes. “Proporcionaria mais democracia ao processo, porque mais parlamentares participariam da discussão. Proporcionaria também mais transparência, porque inibiria o lobby, e, por consequência, haveria menos corrupção.” Hoje, a Comissão do Orçamento é composta por 42 congressistas, dos 594 parlamentares .
Alvaro também é um dos poucos congressistas que defendem abertamente o fim das emendas individuais. Até o escândalo dos anões, os parlamentares podiam apresentar a quantidade de emendas que quisessem, em qualquer valor. Depois, foram feitas restrições e, para 2011, cada deputado ou senador pode sugerir 25 emendas, que somadas têm um teto de R$ 13 milhões.
Para o professor de Economia Adriano Henrique Rebelo, da Universidade de São Paulo (USP), o problema das emendas individuais não é conceitual, mas político. “Como representante do povo, é justo que o parlamentar faça suas sugestões ao orçamento, mas os desvios são inegáveis. A solução é criar mecanismos que impeçam o uso das emendas para atender interesses pessoais e o toma-lá-dá-cá entre Executivo e Legislativo.”
Atual segundo vice-presidente da CMO, o
deputado federal Eduardo Sciarra (DEM-PR) diz que grande parte dos ataques à comissão são injustos. Ele cita, por exemplo, que as denúncias contra Argello são referentes a emendas apresentadas em 2009, quando o senador não integrava a comissão. “Nós já temos implantado uma série de restrições para evitar problemas, como o impedimento da repetição de relatores setoriais.”
Sciarra também defende as emendas individuais, cuja liberação quase sempre prioriza os parlamentares de partidos que apoiam o governo. “É a única maneira de fazer chegar investimentos a municípios pequenos, com menos de 5 mil habitantes.”
Mas as emendas individuais enfrentam a crítica de altas autoridades. Na última terça-feira, o uso político das emendas (quase sempre destinadas a currais eleitorais) foi atacado pelo presidente Lula. Segundo ele, durante o governo Dilma Rousseff, os prefeitos terão mais facilidade de acesso aos programas do governo federal. “Não percam tempo atrás de ‘emendinhas’”, disse.
Brasília - “Anões do orçamento”, máfia dos “sanguessugas” e farra na liberação de recursos públicos para empresas de fachada – caso que derrubou na semana passada o relator da Lei Orçamentária de 2011, o senador Gim Argello (PTB-DF). Todos esses escândalos com dinheiro federal no Congresso Nacional têm ocorrido com os mesmos instrumentos, as emendas parlamentares, e no mesmo ambiente, a Comissão Mista de Orçamento (CMO). A reincidência dos casos levou o PSDB a pedir o fim da CMO. Do outro lado, defensores do órgão alertam: o problema não está no formato, mas na conduta de alguns parlamentares.
O papel da comissão voltou à discussão após as denúncias contra Argello. No último domingo, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que ele destinou R$ 1,4 milhão a institutos fantasmas por meio de emendas individuais ao orçamento. A verba, que deveria ser aplicada em eventos culturais e de divulgação do turismo, foi repassada sem licitação para uma empresa cujos donos são um jardineiro e um mecânico.
Casa do espanto
Confira os escândalos
que envolveram a Comissão Mista de Orçamento (CMO) e as emendas parlamentares:
Anões do Orçamento (1993)
Como funcionava
A partir da
Constituição de 1988, parlamentares liderados pelo baiano João Alves, morto em
2004, passou a controlar a CMO. Eles cobravam propinas de prefeitos e
empreiteiras para incluir obras no orçamento por meio de emendas. O “pacote”
incluía a liberação dos recursos nos ministérios.
Envolvidos
A
CPI do Orçamento, realizada na época, investigou 37 parlamentares. O grupo
principal era liderado por Alves e incluía os então deputados Manoel Moreira
(PMDB-SP), Cid Carvalho (PMDB-MA), Genebaldo Correia (PMDB-BA), José Geraldo
Ribeiro (PMDB-MG) e o senador Ronaldo Aragão (PMDB-RO). Eles e o assessor
parlamentar José Carlos Alves dos Santos eram chamados de “sete anões”, pela
baixa estatura.
Punições
A CPI recomendou a cassação de 18
congressistas. Oito foram absolvidos. Quatro renunciaram para evitar a cassação.
Seis perderam o mandato, incluindo o então presidente da Câmara dos Deputados,
Ibsen Pinheiro (PMDB-RS).
Sanguessugas (2006)
Como funcionava
Investigações da Polícia Federal revelaram que uma quadrilha negociava
com parlamentares a liberação de emendas individuais para a compra de
ambulâncias em municípios específicos. O grupo manipulava licitações, graças a
lobby no Ministério da Saúde.
Envolvidos
Estima-se que o esquema
movimentou R$ 110 milhões entre 2001 e 2006 e incluiu funcionários do Ministério
da Saúde nos governos FHC e Lula. A CPI dos Sanguessugas investigou 87 deputados
federais, 3 senadores e 25 ex-parlamentares. Foram abertos 72 processos de
cassação, entre eles, o do então deputado Íris Simões (PTB-PR).
Punições
Todas as punições emperraram no Conselho de Ética, que recomendou a
cassação de apenas quatro deputados, em dezembro de 2006. Como Lino Rossi
(PP-MT), Cabo Júlio (PMDB-MG), Nilton Capixaba (PTB-RO) e José Divino (sem
partido-RJ) não se reelegeram, os processos foram extintos.
Empresas de
fachada (2010)
Como funcionava
O relator do Orçamento de 2011,
Gim Argello (PTB-DF), indicou R$ 1,4 milhão em emendas individuais para
institutos fantasmas. Depois, o recurso que deveria ser aplicado em eventos
culturais e de divulgação do turismo foi repassado, sem licitação, para uma
empresa cujos donos são um jardineiro e um mecânico. Outros deputados teriam
usado a mesma manobra.
Envolvidos
Além de Argello, há denúncias
de que os deputados Luciana Costa (PR-SP), Laerte Bessa (PSC-DF), Carlos Alberto
Lereia (PSDB-GO), Sandro Mabel (PR-GO) e Robson Rodovalho(PP-DF) também
destinaram emendas individuais que totalizam pelo menos R$ 3 milhões a
institutos de fachada.
Punições
Ninguém foi punido. Argello
apenas renunciou à relatoria do orçamento de 2011. Não há previsão de abertura
de uma CPI para investigar os casos.
O petebista admitiu que não conhecia
pessoalmente o Instituto Renova Brasil, ao qual destinou as emendas. Mas
assegurou que agiu para incentivar a cultura e o turismo. Ao renunciar ao cargo
de relator, Argello enfatizou que a fiscalização sobre o funcionamento dos
institutos deveria ser feita pelos Ministérios da Cultura e do Turismo.
O ex-relator do orçamento, porém, não é o único a indicar a aplicação de recursos para a mesma finalidade. De acordo com levantamento da ONG Contas Abertas, houve 577 emendas individuais ao orçamento de 2010 para promoção de eventos de divulgação do turismo. Originalmente, a previsão inicial de gastos para a área era de R$ 32,6 bilhões, mas subiu para R$ 798,8 milhões, graças às sugestões dos congressistas. Na quinta-feira, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que o governo passará a fazer uma “restrição total” a essas emendas.
Filme repetido
As suspeitas que pairam sobre a comissão remetem a 1993, quando veio à tona o escândalo dos “anões do orçamento”. O esquema tinha dois focos. O primeiro era a indicação de emendas para entidades filantrópicas ligadas a parentes ou laranjas. O outro era o acerto com empreiteiras beneficiadas pela inclusão no orçamento de grandes obras. A cada negócio, os parlamentares recebiam propinas. As manobras ocorriam desde a promulgação da Constituição, em 1988. O texto constitucional permitiu ao Congresso alterar o orçamento proposto pelo Poder Executivo, o que antes não era autorizado.
Outro escândalo envolvendo a Comissão do Orçamento ocorreu em 2006, quando a Polícia Federal realizou a Operação Sanguessuga para combater fraudes na compra de ambulâncias com dinheiro federal. O esquema começava com a indicação de emendas parlamentares para a saúde e acabava com licitações fraudulentas para a compra superfaturada de equipamentos, principalmente por prefeituras. O dinheiro a mais era dividido entre os participantes do esquema.
Mudanças
A semelhança entre os três episódios não é mera coincidência para o senador Alvaro Dias (PSDB-PR). Com o apoio do partido, ele se comprometeu a apresentar um projeto de resolução em 2011 para extinguir a CMO. A ideia é que a lei orçamentária passe a tramitar nas demais comissões permanentes. “Proporcionaria mais democracia ao processo, porque mais parlamentares participariam da discussão. Proporcionaria também mais transparência, porque inibiria o lobby, e, por consequência, haveria menos corrupção.” Hoje, a Comissão do Orçamento é composta por 42 congressistas, dos 594 parlamentares .
Alvaro também é um dos poucos congressistas que defendem abertamente o fim das emendas individuais. Até o escândalo dos anões, os parlamentares podiam apresentar a quantidade de emendas que quisessem, em qualquer valor. Depois, foram feitas restrições e, para 2011, cada deputado ou senador pode sugerir 25 emendas, que somadas têm um teto de R$ 13 milhões.
Para o professor de Economia Adriano Henrique Rebelo, da Universidade de São Paulo (USP), o problema das emendas individuais não é conceitual, mas político. “Como representante do povo, é justo que o parlamentar faça suas sugestões ao orçamento, mas os desvios são inegáveis. A solução é criar mecanismos que impeçam o uso das emendas para atender interesses pessoais e o toma-lá-dá-cá entre Executivo e Legislativo.”
Atual segundo vice-presidente da CMO, o
deputado federal Eduardo Sciarra (DEM-PR) diz que grande parte dos ataques à comissão são injustos. Ele cita, por exemplo, que as denúncias contra Argello são referentes a emendas apresentadas em 2009, quando o senador não integrava a comissão. “Nós já temos implantado uma série de restrições para evitar problemas, como o impedimento da repetição de relatores setoriais.”
Sciarra também defende as emendas individuais, cuja liberação quase sempre prioriza os parlamentares de partidos que apoiam o governo. “É a única maneira de fazer chegar investimentos a municípios pequenos, com menos de 5 mil habitantes.”
Mas as emendas individuais enfrentam a crítica de altas autoridades. Na última terça-feira, o uso político das emendas (quase sempre destinadas a currais eleitorais) foi atacado pelo presidente Lula. Segundo ele, durante o governo Dilma Rousseff, os prefeitos terão mais facilidade de acesso aos programas do governo federal. “Não percam tempo atrás de ‘emendinhas’”, disse.
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