quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Nepotismo em entidades do Terceiro Setor que recebem recursos públicos

FONTE: Guilherme Luis da Silva Tambellini

O nepotismo em entidades do terceiro setor subvencionadas por recursos públicos configura atentado ao princípio da moralidade pública.

NEPOTISMO. ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR. RE-CURSOS PÚBLICOS. SUBVENÇÕES. SÚMULA VINCULANTE 13 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROJETO DE LEI. Cabe ao Administrador Público avaliar as hipóteses em que se configura atentado ao princípio da moralidade pública, previsto no caput do artigo 37, da Constituição Federal, e adotar as medidas destinadas ao impedimento do nepotismo, buscando inibir a má utilização de recursos públicos, objeto de subvenção, por entidades do terceiro setor.


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CONSULTA
Consulta-nos Câmara Municipal, solicitando "parecer acerca do Projeto de Lei anexo, no que tange à legalidade e constitucionalidade da matéria".

A propositura objetiva alterar Lei municipal vigente que disciplina "a transferência de recursos para o terceiro setor e dá outras providências", incluindo dispositivo vedando às entidades subvencionadas pelo Município, sob qualquer forma, remunerar cônjuges e parentes, estes até 4º grau, do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito Municipal, dos Vereadores e de funcionários ocupantes de cargos de livre provimento e exoneração, bem como prevendo que funcionários e prestadores de serviços das entidades subvencionadas deverão prestar declaração quanto à existência do impedimento, e fixando, em caso de inobservância da vedação, suspensão de repasses até que ocorra regularização, sem prejuízo da responsabilização dos dirigentes das entidades e dos funcionários impedidos envolvidos.


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PARECER
Cuida-se, na presente consulta, de esclarecer acerca da possibilidade de estabelecimento, por normatização local, mediante acréscimo de dispositivo em lei vigente, de vedação da realização de pagamentos, a qualquer título, por entidade sem fins lucrativos que receba recursos públicos municipais a título de subvenção, para pessoas físicas ("cônjuges e parentes, estes até o quarto grau") que tenham, portanto, tais vínculos com o Prefeito Municipal, o Vice-Prefeito Municipal, os Vereadores e funcionários municipais ocupantes de cargos de livre provimento e exoneração.

Em outras palavras, objetivamente, se busca aclaramento acerca da possibilidade de estender às entidades do Terceiro Setor, que recebam recursos públicos repassados a título de subvenção, as repercussões (pagamentos, a qualquer título) das disposições que vedam o nepotismo, a exemplo do assentado pela Súmula Vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal, cujo embasamento são os princípios contidos no artigo 37 da Constituição Federal.

Mesmo não tendo sido mencionada claramente na consulta, a questão traz subjacente a pretensão de se impor restriçõesdecorrentes daquela vedação, que mereceu disposição expressa na Súmula Vinculante 13 [01], do STF, cujo teor é:

"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal." (grifamos).
Esta conclusão é reforçada pelo fato de os destinatários da percepção dos pagamentos, na proposta da consulente, serem idênticos aos do dispositivo sumular transcrito.

Inicialmente, para enfrentamento do tema, é indispensável tornar assente que o embasamento da vedação reconhecida pela Corte Constitucional é a moralidade administrativa, acerca da qual Hely Lopes Meirelles ensina [02]:

"2.3.2. Moralidade – A moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como `o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração´. Desenvolvendo sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. (...) O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima." (grifamos).
Prosseguindo, valemo-nos da conceituação de nepotismo utilizada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, em voto acolhido por unanimidade e proferido na qualidade de Relator em Recurso Extraordinário 579.951-4 Rio Grande do Norte, apreciado em Sessão Plenária do Supremo Tribunal Federal [03], entre partes o Ministério Público Estadual e Município de Água Nova e outro, e que precedeu a súmula vinculante acima indicada, com reconhecimento de repercussão geral:

"Como se sabe, do ponto de vista etimológico, a palavra `nepotismo´ tem origem no latim, derivando da conjugação do termo nepote, significando sobrinho ou protegido, com o sufixo `ismo´, que remete à idéia de ato, prática ou resultado. A utilização desse termo, historicamente, advém da autoridade exercida pelos sobrinhos e outros aparentados dos Papas na administração eclesiástica, nos séculos XV e XVI de nossa era, ganhando, atualmente, o significado pejorativo do favorecimento de parentes por parte de alguém que exerce o poder na esfera pública ou privada." (grifamos).
Emerge dos votos deste julgado, sem margem para dúvidas, que o embasamento para o posicionamento adotado foi o conteúdo principiológico do caput, do artigo 37, da Constituição Federal, que estabelece:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:" (grifamos).
O entendimento expresso do STF em relação à aplicação, no caso, dos referidos princípios constitucionais, fica evidenciado nos seguintes excertos do acórdão:

"Dentre tais pronunciamentos, ressalto a manifestação do Ministro Gilmar Mendes, nos seguintes termos: `Essa moralidade não é elemento do ato administrativo, como ressalta GORDILLO, mas compõe-se dos valores éticos compartilhados culturalmente pela comunidade e que fazem parte, por isso, da ordem jurídica vigente. (...) A vedação ao nepotismo é regra constitucional que está na zona de certeza dos princípios da moralidade e da impessoalidade."

(...)

"O princípio da moralidade administrativa tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, por constituir-se, em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. Assim, o que se exige, no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa." [04]

(...)

"A Constituição de 1988, em seu art. 37, caput, preceitua que a Administração Pública rege-se por princípios destinados a resguardar o interesse público na tutela dos bens da coletividade.

Esses princípios, dentre os quais destaco o da moralidade e impessoalidade, exigem que o agente público paute a sua conduta por padrões éticos que têm como fim último lograr a consecução do bem comum, seja qual for a esfera de poder ou o nível político-administrativo da Federação em que atue."

(...)

"O que estamos a discutir, aqui, eminente Ministro, é se os princípios do artigo 37, caput, são, ou não, auto-aplicáveis e se a proibição do nepotismo se estende a todos os Poderes da República e a todos os níveis político-administrativos da Federação, independentemente de lei formal. Essa é a questão.

Estou afirmando, no meu voto, a partir de um caso concreto que, realmente, os princípios são auto-aplicáveis, que a vedação ao nepotismo decorre exatamente da conjugação desses princípios da Constituição, com o etos prevalente na sociedade brasileira."

(...)

"A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Sim, na fórmula do artigo 37.

(...)

Isto é auto-aplicável, não depende de nada, todo mundo tem de cumprir, vale para todos, vale para o Poder Público e vale para o particular, que também não pode alegar desconhecimento e não ter como dado válido, resolvendo que pode tomar assento a estes cargos. Portanto, quanto a essa fundamentação acolho integralmente." (grifamos).
Merecem destaque, no curso das discussões, os seguintes trechos do voto do Ministro Celso de Mello:

"Sabemos todos que a atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa, que se qualifica como valor constitucional impregnado de substrato ético e erigido à condição de vetor fundamental no processo de poder, condicionando, de modo estrito, o exercício, pelo Estado e por seus agentes, da autoridade que lhes foi outorgada pelo ordenamento normativo. Este postulado, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos, nos quais se funda a própria ordem positiva do Estado.

É por essa razão que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle de todos os atos do poder público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos órgãos e dos agentes governamentais, não importando em que instância de poder eles se situem.

(...)

Cabe lembrar, neste ponto, Senhor Presidente, o alto significado que o princípio da moralidade assume, em nosso sistema constitucional, tal como esta Suprema Corte já teve o ensejo de enfatizar:

‘O PRINCIPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA – ENQUANTO VALOR CONSTITUCIONAL REVESTIDO DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO – CONDICIONA A LEGITIMIDADE E A VALIDADE DOS ATOS ESTATAIS.

- A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado.

- O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (...)’ (RTJ 182/525-526, Rel. Min. CELSO DE MELLO. Pleno)".

(...)

"Esta Suprema Corte, ao reconhecer que a vedação à prática do nepotismo incide sobre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentemente de sua previsão em lei formal, estendendo-se tal proibição a todos os órgãos estatais (qualquer que seja a instância de poder em que se situem), reafirma a força normativa da Constituição da República e preserva a supremacia (formal e material) de que se revestem as normas e princípios constitucionais, cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizadas em face de sua precedência, de sua autoridade e de seu grau hierárquico.

(...)

A consagração do nepotismo na esfera institucional do poder político não pode ser tolerada, sob pena de o processo de governo – que há de ser impessoal, transparente e fundado em bases éticas – ser conduzido a verdadeiro retrocesso histórico, o que constituirá, na perspectiva da atualização e modernização do aparelho de Estado, situação de todo inaceitável.

(...)

Torna-se necessário banir, definitivamente, de nossos costumes administrativos, a prática inaceitável do nepotismo, porque, além de infringente da ética republicana, transgride os postulados constitucionais da igualdade, da impessoalidade, da transparência e da moralidade administrativa." (grifamos).
A ementa do v. acórdão recebeu sua formulação final nos seguintes termos:

"ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VEDAÇÃO NEPOTISMO. NECESSIDADE DE LEI FORMAL. INEXIGIBILIDADE. PROIBIÇÃO QUE DECORRE DO ART. 37, CAPUT, DA CF. RE PROVIDO EM PARTE.

I – Embora restrita ao âmbito do Judiciário a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita.

II – A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática.

III – Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal.

IV – Precedentes.

V – RE conhecido e parcialmente provido para anular a nomeação de servidor, aparentado com agente político, ocupante de cargo em comissão." (grifamos).
Nos referidos autos, o STF, previamente à decisão acima transcrita, acolheu preliminar de repercussão geral, resultando na pronuncia por meio de acórdão com eficácia vinculante, e na configuração, subseqüente, da referida Súmula Vinculante 13, cujas discussões de aspectos formais se encontram acessíveis, transcritas nas Atas das 21ª e 28ª Sessões, Ordinária e Extraordinária, daquele Pretório Excelso, realizadas em 20 e 21 de agosto de 2008 [05], respectivamente.

No mesmo julgado, além do anteriormente apontado e que delineia seu firme entendimento, merece destaque a afirmativa esclarecedora do posicionamento daquela Corte em relação à necessidade de disposição normativa infraconstitucional acerca da matéria, no voto do Relator, para sua eficácia:

"De fato, embora existam diversos atos normativos no plano federal que vedam o nepotismo(5), inclusive no âmbito desta Corte(6), tal não significa que apenas leis em sentido formal ou outros diplomas regulamentares sejam aptos a coibir a nefasta e anti-republicana prática do nepotismo. É que os princípios constitucionais, longe de configurarem meras recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e `positivamente vinculantes´, como ensina Gomes Canotilho.

A sua inobservância, ao contrário do que muitos pregavam até recentemente, atribuindo-lhes uma natureza apenas programática, deflagra sempre uma conseqüência jurídica, de maneira compatível com a carga de normatividade que encerram. Independentemente da preeminência que ostentam no âmbito do sistema ou da abrangência de seu impacto sobre a ordem legal, os princípios constitucionais, como se reconhece atualmente, são sempre dotados de eficácia, cuja materialização pode ser cobrada judicialmente se necessário.

Por oportuna, relembro aqui a conhecida e sempre atual lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, segundo a qual `(...) violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda estrutura nelas esforçada.´(8) [06].

Ora, tendo em conta a expressiva densidade axiológica e a elevada carga normativa que encerram os princípios abrigados no caput do art. 37 da Constituição, não há como deixar de concluir que a proibição do nepotismo independe de norma secundária que obste formalmente essa reprovável conduta,(...)." (grifamos).
Observe-se que em notas de nºs. 5 e 6, indicadas neste trecho transcrito, o Relator reporta-se, exemplificativamente, aos seguintes instrumentos normativos: "Lei 8.112/90", "Lei 9.421/96", "Lei 9.953/00", "Resolução 246 do STF de 18/12/2002, alterada pela resolução 249 de 5/2/2003" e "Regimento Interno do STF", deixando claro que, apesar de inexigível o regramento infraconstitucional, nada o impede.

Acrescentamos a estes, a título também exemplificativo, o Decreto federal 7.203, de 4 de junho de 2010, que disciplina a "vedação do nepotismo no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta" [07], normatizando também alguns aspectos do relacionamento também com pessoas jurídicas de direito privado e entidades do terceiro setor, nos seguintes termos:

"Art. 3º (...)

(...)

§ 3º É vedada também a contratação direta, sem licitação, por órgão ou entidade da administração pública federal de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção, familiar de detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação ou de autoridade a ele hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão e de cada entidade.

(...)

Art. 6º Serão objeto de apuração específica os casos em que haja indícios de influência dos agentes públicos referidos no art. 3º:

I – (...);

II - na contratação de familiares por empresa prestadora de serviço terceirizado ou entidade que desenvolva projeto no âmbito de órgão ou entidade da administração pública federal.

Art. 7º Os editais de licitação para a contratação de empresa prestadora de serviço terceirizado, assim como os convênios e instrumentos equivalentes para contratação de entidade que desenvolva projeto no âmbito de órgão ou entidade da administração pública federal, deverão estabelecer vedação de que familiar de agente público preste serviços no órgão ou entidade em que este exerça cargo em comissão ou função de confiança." (grifamos).
Verifica-se nestes dispositivos do decreto a imposição, pelo Executivo da União, de três tipos diferentes de vedação envolvendo especificamente pessoas jurídicas de direito privado ou entidades do terceiro setor:

a) contratações, sem licitação, de pessoas jurídicas que tenham como administrador ou sócio com poder de direção, familiar (ou, tecnicamente mais preciso, com vínculos de consangüinidade ou afinidade) de ocupante de cargo em comissão ou função de confiança no órgão ou entidade contratante;

b) contratações de pessoas com vínculos de consangüinidade ou afinidade com agentes públicos (nos mesmos parâmetros da Súmula Vinculante 13) por entidades privadas que desenvolvam projetos no âmbito de órgãos ou demais entidades integrantes da administração pública federal;

c) ficam impedidos parentes de agentes públicos, já empregados de empresas privadas de contratadas para serviços terceirizados ou de partícipes de convênios ou instrumentos equivalentes, de prestar serviços nos órgãos ou entidades em que aqueles ocupem cargos de provimento em comissão ou função de confiança.

O Executivo federal buscou impedir, por entender ofensiva ao princípio constitucional da moralidade administrativa, mediante a indicada normatização própria, a utilização, por agentes públicos, de empresas privadas ou entidades do terceiro setor que estejam sujeitas ao seu poder de influência, de promoverem o nepotismo nas formas que identificou.

Diante da possibilidade de ofensa àquele princípio, incumbe à Administração Pública adotar disciplinamento competente para vedar tal possibilidade, visto que as disposições trazidas pela Súmula Vinculante, por sua própria natureza, não abarcam todas as hipóteses passíveis de previsão.

Acerca da possibilidade de má utilização de recursos públicos repassados a título de subvenção é importante mencionar-se o Comunicado SDG 14/2010 [08], emanado da Egrégia Corte de Contas do Estado, que apesar de não apontar, diretamente, para a implantação de vedações como as pretendidas no projeto de lei, prevê, relacionado ao assunto, expressamente, que:

"1. A lei de diretrizes orçamentárias há de estabelecer critérios para repasse financeiro a entidades do terceiro setor,...

...

3- Assim, há de haver certo detalhamento que iniba a má utilização do dinheiro público. Cabem, assim, critérios que ora se exemplificam:

...

e) vedação para entidades cujos dirigentes sejam também agentes políticos do governo concedente." (grifamos).
Não pode ser afirmado que houve recomendação expressa proveniente do TCE/SP relacionada à hipótese da consulta, de entidade fazer ou não pagamentos, a qualquer título, a "cônjuges e parentes, estes até o quarto grau", que tenham, portanto, tais vínculos de consangüinidade ou afinidade com o Prefeito Municipal, o Vice-Prefeito Municipal, os Vereadores e funcionários municipais ocupantes de cargos de livre provimento e exoneração. A orientação daquela Corte foi no sentido de vedar repasses às entidades cujos dirigentes também ostentem a qualidade de agentes políticos do governo concedente das subvenções, mas, afigura-se-nos, cabe ao Administrador Público incumbido da gestão dos recursos públicos avaliar se tais contratações e remunerações agridem "os valores éticos compartilhados culturalmente pela comunidade" local, "e que fazem parte, por isso, da ordem jurídica vigente", afigurando-se como atentatórias ao princípio da moralidade previsto no caput do artigo 37, da Constituição Federal.

Assim estando convencido, deverá adotar as medidas destinadas ao impedimento do nepotismo nesta hipótese, buscando inibir a má utilização do dinheiro público.
Observe-se que a menção à lei orçamentária no texto transcrito decorre do fato de que o Comunicado SDG foi emitido para alertar "... em face do atual processo de elaboração da lei de diretrizes orçamentárias – LDO, devem os jurisdicionados atentar para o que segue", ou seja, atentou àquele momento em que se preparava a tramitação legislativa das LDOs, não sendo impositivo que a matéria seja tratada mediante lei.

Posto isto, passando ao projeto de lei encaminhado, que pretende a inclusão de dispositivo na vigente Lei municipal nº 2589/2010, objetivamente, cabe ressaltar:

a)Desnecessidade de utilização da expressão "terminantemente" no caput do artigo sob análise, bastando estabelecer que "...ficam proibidas...";

b)No mesmo caput, há necessidade de acrescentar a palavra "sob" antes da expressão "qualquer forma";

b)Necessidade de aperfeiçoamento redacional, ainda em relação ao referido caput, passando a constar "remunerar", e não como se encontra (remunerarem), assim como "cargos" e não como constou (cargo);

c)Necessidade de igual aperfeiçoamento, no § 3º do mesmo artigo, passando a constar "regularizar" e não na forma apresentada (regularizarem);

d)Em relação ao grau de parentesco atingido pela vedação, considerando o quanto exposto anteriormente, em se tratando de estender a aplicação dos mandamentos trazidos pela Súmula nº 13, do STF, cabe avaliar a conveniência de utilizar os mesmos parâmetros por esta utilizados, ou seja, vedação para os parentes até o 3º grau, evitando-se potenciais questionamentos judiciais futuros;

e)Objetivando afastar quaisquer dificuldades de interpretação do dispositivo, substituir, no § 1º, a expressão "funcionários e prestadores de serviço" por "empregados", visto que o caput também utiliza "funcionários" para a designação, tecnicamente correta, dos servidores da administração pública;

f)Necessidade de aclarar o pretendido com a utilização da expressão "responsabilização dos dirigentes das entidades e dos funcionários impedidos envolvidos", posto que o projeto não traz indicação de qualquer sanção ou legislação que a preveja, e na forma utilizada não se vislumbra no que consistiria tal "responsabilização";

g)Necessidade de aclarar, ainda, em face da possibilidade de problemas de interpretação, também apontada no item "f" acima, se os "funcionários impedidos envolvidos", passíveis da "responsabilização" se pretende que sejam os servidores públicos ou os empregados das entidades subvencionadas.

A preocupação com a clareza nas definições e abrangência das disposições incluídas na Súmula 13, do STF, que também deve pautar a redação do projeto de lei que nos submete o consulente, emerge das discussões mantidas pelos Ministros da Suprema Corte, e se encontram acessíveis nas transcritas Atas das 21ª e 28ª Sessões, Ordinária e Extraordinária, realizadas em 20 e 21 de agosto de 2008, a merecer consulta dos edis [09].

Finalmente, não se vislumbra inconstitucionalidade por vício de iniciativa no projeto de lei, visto que a matéria tratada não se insere dentre aquelas de iniciativa privativa do Executivo, fixadas pela Constituição Federal:

"Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI.

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.

§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles."
É o parecer.



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